17.4.09

A islândia alerta para o mundo

No passado verão de 2007, um pequeno groupo de economistas de diversas nacionalidades examinou e finalizou um relatório sobre a economia islandesa. Esse grupo foi unanimo ao adiantar que a islandia com a sua independencia, por ela só não poderia continuar a resistir frente ás pressões internationais a longo termo. Ainda eles não imaginavam o que viria a acontecer uns mezes mais tarde, mas a islandia já estava infectada pela ganancia e o desejo de enriquecer fácilmente aproveitando do sistema frágil, basiado sobre a confiança e facilitando para um desenvolvimento rápido do país, sem barreiras de segurança.

Primeiro veio a crise financeira, depois o alvoroço: a Islândia é o primeiro país
europeu a sofrer os efeitos plenos da crise financeira global. Isto é uma amostra do
que está reservado para o restante do mundo?
Está nevando e em breve escurecerá de novo. A noite começa aqui por volta das 4
horas da tarde, seguida por uma longa, longa noite - uma noite islandesa aqui em
Reykjavík, latitude 64 graus norte, bem ao sul do Círculo Polar Ártico. Se os países
pudessem exportar escuridão, então a Islândia não teria com que se preocupar.
Kristin Gunnarsdottir estaciona seu pequeno carro diante de sua casa modesta no
distrito de Gardabaer da cidade, caminha cuidadosamente pelo caminho
escorregadio até sua porta da frente e bate suas botas no chão para tirar a neve.
Ela está com vontade de tomar café quente e se sentar diante da lareira. Ela acaba
de retornar de seu novo e exaustivo passatempo - realizar manifestações "Nós
temos que salvar a Islândia", ela diz.
Nos últimos três meses, Kristin Gunnarsdottir passou seus dias no centro de
Reykjavík. Armada com uma panela e uma colher, ela e outros manifestantes
assumiram posição diante do Parlamento islandês, o Althing, acompanhados por
entre poucas centenas ou -como costuma ser o caso- dois mil outros
manifestantes. Recentemente, ela diz, a bira das pessoas era tamanha que a
multidão esteve prestes a invadir o Althing, arrastar para fora os membros do
governo e enforcá-los na imensa árvore de Natal. A árvore não está mais lá.
"Alguns manifestantes a incendiaram", ela diz. "Foi uma fogueira e tanto."


As coisas estão esquentando na Islândia em consequência da crise financeira.
Kristin Gunnarsdottir pega uma garrafa térmica cheia de café, liga a TV e está
prestes a se sentar ao lado da lareira quando algo a detém. Ela fica parada lá,
atônita, e aponta para a tela.
Ela tem mais de 40 anos, é ruiva e alegre. Ela era jornalista de TV, mas agora é
escritora. Desde o início da crise financeira, ela está entre os líderes de uma revolta
como a Islândia nunca viu antes, uma revolução vinda de baixo que visa varrer
tudo o que existiu antes.
"Incrível", ela diz, apontando para a televisão.
A ministra das Relações Exteriores, Ingibjörg Solrun Gisladottir, está sendo
entrevistada. Ela é da Aliança Social Democrática de esquerda, o menor dos dois
partidos da coalizão, e parece exausta enquanto olha para a câmera e explica que
só continuará apoiando o governo caso uma série de exigências seja atendida.
Então aparecem políticos que dizem que as exigências não serão atendidas.
"É isso", diz Kristin, "eu acho que não teremos um governo em breve - é melhor
assim".

Poucas horas depois, um governo que antes parecia inabalável entra em colapso. O
mais forte dos dois parceiros da coalizão, o conservador Partido da Independência,
governou o país por quase 18 anos. Este partido liderou um governo que foi
responsável por aproximadamente 315 mil islandeses que estão relacionados de
uma forma ou de outra uns aos outros e que são, em sua maioria, um povo bem
loiro, bem gentil, educado e agradável. Agora, a crise financeira e os escândalos
que ela trouxe jogaram a Islândia em turbulência e caos. Na superfície, a
vida continua, mas todos estão abalados até ás entranhas por um imenso
sentimento de incerteza. De certa forma, a Islândia é uma bola de cristal que
revela o futuro do restante da Europa.
A Islândia se tornou uma espécie de laboratório da crise de crédito: um país
pequeno, compacto, estreitamente ligado à economia internacional, sem qualquer
pára-choque de segurança. É um lugar onde os efeitos de uma crise são sentidos
intensamente.
As primeiras ondas de demissões começaram a varrer o país. Todo mundo conhece
alguém que já perdeu seu emprego ou que perderá em breve, todo mundo conhece
alguém que conhece - e odeia - um banqueiro de investimento. Os bares mais
bacanas no centro de Reykjavík estão visivelmente vazios, como o "101" e o "b5",
onde os profissionais bem-sucedidos do setor financeiro ainda curtiam festas
selvagens durante as noites da metade de verão de 2008. A imagem do país foi
seriamente manchada. "Como parecemos agora aos olhos do mundo?" diz Kristin.
"Como maníacos financeiros, os jogadores da Europa."
Onde estão - e, mais importante, quem são - os culpados deste estrago? Ninguém
sabe ao certo. Desde o colapso dos três maiores bancos do país ao longo dos
últimos três meses, o governo não apresentou respostas e ainda não se deu ao
trabalho de lançar uma investigação séria.
Isso espalhou rumores por todo o país. Segundo uma história, os islandeses mais
ricos deixaram o país há meses, com suas malas cheias de dinheiro ao embarcarem
em um jato particular com destino a Portugal. Supostamente eles retornarão em
breve para cobrir seus rastros. A coroa islandesa perdeu um terço de seu valor
frente ao euro em um ano e permanece volátil. Ninguém nas lojas sabe qual é atual
taxa de câmbio. Um governo interino minoritário de esquerda, liderado pela recémnomeada
primeira-ministra Johanna Sigurdardottir, agora está encarregado do país
até que novas eleições possam ser realizadas, e é muito possível que o Movimento
Verde-Esquerda, com sua inclinação marxista, desponte como o partido mais forte.
Em nenhuma outra parte do mundo, ao que parece, a crise é tão visível quanto na
Islândia, em nenhum outro lugar ela é tão concreta. O pequeno tamanho do país
também permite que todo cidadão possa calcular facilmente quanta dívida foi
acumulada em seu nome. Antes de serem nacionalizados, os três maiores bancos
acumularam dívidas de US$ 166 bilhões, o equivalente a 10 vezes o produto
interno bruto da Islândia. Isso representa um adicional de US$ 527 mil para cada
homem, mulher e criança. Um encanador ou pescador islandês que tem esposa e
dois filhos para alimentar, repentinamente se veria com uma dívida de mais US$ 2
milhões. Como a atual geração poderá pagar essa dívida? Os economistas
antecipam inflação de dois dígitos e preveem que a economia encolherá 10%.
'O trabalho de limpeza será um banho de sangue'
Novos nomes estão repentinamente nos lábios de todos, agora elogiados como
heróis e salvadores diante do desastre, apesar de terem sido ignorados até
recentemente.
É um fim de tarde escuro e gelado enquanto Vilhjalmur Bjarnason segue de carro
até seu escritório na universidade, em Saemundargata, para trabalhar um pouco
mais. Ele está com um ar carrancudo apesar de ser um dos homens mais
procurados do país - elogiado, entrevistado, citado em blogs, revistas e programas
de televisão.
Vilhjalmur, um ex-banqueiro de 56 anos, trabalha como professor de
macroeconomia da universidade, atua como presidente da Associação dos
Pequenos Investidores e é um atleta amador dedicado. Ultimamente, ele anda
extremamente irritado porque previu tudo o que está acontecendo agora. Ele
sempre permaneceu politicamente neutro por acreditar que um economista deve
preservar sua independência - apesar disso ter colocado freios em sua carreira.
Agora ele está sendo considerado para se tornar o novo presidente do banco
central ou conselheiro do ministro das finanças. "Nós colocamos nossa economia
nas mãos de criminosos", ele diz, "e o trabalho de limpeza será um banho de
sangue".
Ele conhece muito bem alguns dos perpetradores. "Eles foram meus alunos", ele
diz. Após concluírem seus estudos, eles correram para o setor bancário, "e foi
quando as coisas saíram do controle e saímos de um caminho sólido".
Por séculos, os islandeses viveram na pobreza e em dificuldades: casas de fardo de
palha, miséria e epidemias eram fatos da vida. Então, diz Vilhjalmur, eles
aprenderam a explorar seu ambiente natural singular, represando cachoeiras para
gerar energia e usando a água quente dos gêiseres como fonte de calor. Segundo
Vilhjalmur, as coisas poderiam ter continuado dessa forma -mas a Islândia foi
infectada pela ganância.
Kristin Gunnarsdottir e muitos de seus companheiros de luta veem a decisão de
lançar um dos maiores projetos hidrelétricos como o principal fator que promoveu a
orgia de tomada de empréstimo. Ela diz que o início da construção da usina de
força de Karahnjukar, que promoveria a produção de alumínio, foi espertamente
divulgada ao redor do mundo. "De repente a Islândia era a dica quente para os
investidores e estava recebendo altas classificações de crédito."
A coroa islandesa valorizou 20% e, apesar do banco central ter elevado as taxas de
juros para esfriar o mercado, um crescente número e empresas e cidadãos
islandeses prontamente tomaram empréstimos em moedas estrangeiras, em ienes,
dólares e o que quer que os bancos pudessem arrumar para eles. Esses
empréstimos eram relativamente baratos desde que o valor de sua própria moeda
continuasse subindo. Pouco antes do crash, o banco central contava com reservas
de apenas US$ 5,1 bilhões e era incapaz de exercer seu papel de supervisor dos
bancos do país. O capital fluía para o país porque a Islândia parecia incrivelmente
segura.
"Foi quando as holdings podiam ser encontradas em toda parte", diz Vilhjalmur. "E
holdings são campos minados."
Foi muito fácil, ele diz. Alguns poucos empresários ambiciosos se uniram a
banqueiros e jovens recém-formados em administração e negócios para combinar
seu dinheiro e contatos. Eles levantariam, digamos, 10 mil euros e era criada uma
holding. Então eles iam até um dos três grandes bancos, que eram ex-bancos
estatais que foram privatizados. Os magos financeiros eram amigos dos
proprietários dos bancos, mas os bancos ainda eram considerados sólidos. Com um
capital de 10 mil euros, eram tomados empréstimos 100 vezes maiores que esse
valor, em outras palavras, teoricamente 1 milhão de euros. Depois, 990 mil euros
eram pagos a eles e eles compravam ações desses mesmos bancos islandeses, que
por sua vez também tomavam empréstimos e compravam ações de empresas e
redes de varejo. "Foi quando a realidade entrou em ação", diz Vilhjalmur. "Antes
disso tudo era virtual."
Tudo o que os fundadores das holdings tinham que fazer era esperar, talvez um
ano, até o preço de suas ações subirem, já que o modelo de negócios islandês era
visto como uma dica quente. "Repentinamente suas ações valiam 1,5 milhão de
euros, menos os juros de, digamos, 100 mil euros, o que os deixava com 400 mil
euros em lucros", explica Vilhjalmur.
Vilhjalmur diz que esse frenesi de tomada de empréstimo tomou conta de pessoas
de todas as classes da sociedade islandesa. Mas foram as pessoas comuns que
ficaram com as dívidas, enquanto os magnatas mantiveram seus novos iates.
E quem são esses magnatas?
"Eu tenho uma lista de nomes aqui", diz Vilhjalmur, digitando em seu laptop.
"Trinta homens e três mulheres. Eles foram os principais culpados. Eu posso
provar. Nós poderíamos recuperar bastante dinheiro. Eles precisam ser levados a
julgamento."
Isso acontecerá?
"Eu não sou um policial", ele diz com um olhar irritado em seu rosto. "E também
não sou um otimista."
No microcosmo que é a Islândia, as dificuldades financeiras provavelmente podem
ser rastreadas mais precisamente do que em qualquer outro lugar: como cresceu a
ganância, quão facilmente meios de vida podem ser destruídos, como a revolta
popular pode irromper - e quem é responsável, quem sofre com o fardo da crise e
como uma sociedade pode encontrar lentamente seu caminho para uma nova
fundação moral.
Kristin, a escritora, está sentada diante da lareira. "Nós acreditamos nos blôfistas,
nós depositamos confiança demais nas pessoas", ela diz, balançando seus cabelos
ruivos. "Agora nós temos que desenvolver uma cultura de desconfiança saudável."

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